O regresso pode ser mais complicado que a ida ao Japão; saiba como superar as dificuldades
Após anos de trabalho no Japão, o dekassegui volta para o Brasil e, em pouco tempo, depois dos abraços e das festas, percebe que as coisas não estão exatamente como havia deixado antes de partir.
Os pais têm cabelos brancos. Amigos estão casados, alguns conquistaram uma vida de sucesso e responsabilidades. Os relacionamentos se reconfiguraram. Ele mesmo mudou, ao incorporar valores da sociedade japonesa, e a sensação de não pertencer ao próprio lar bate forte. O problema é ainda maior para os filhos dele que, habituados com o Japão, passam a ter dificuldades de relacionamento e educação. Nesse momento, é necessário todo o apoio emocional possível, pois a readaptação cultural pode ser um caminho longo.
“É perfeitamente normal a pessoa que regressa sentir esse estranhamento. Portanto, não deve achar que só acontece com ela”, explica a psicóloga Laura Ueno, que viveu por um ano no Japão, de 1998 a 1999, logo depois de terminar a faculdade. “As pessoas absorvem a volta de formas e em ritmos diferentes. Alguém que veio ao Brasil em razão da crise provavelmente foi pega desprevinida, sem planejamento. Ainda assim, não é possível falar que todas terão dificuldades de adaptação. Vai depender muito do suporte de relacionamentos e da estrutura de apoio que o ex-dekassegui tiver”, diz.
O acolhimento pelo meio social, a começar pela família, é um elemento chave para que o ex-dekassegui comece a se sentir parte da vida no Brasil. É, também, um fator importante para que ele mantenha a auto-confiança para, por exemplo, conseguir um emprego no País. Por isso, segundo a psicóloga, são muito bem-vindas iniciativas como procurar amigos antigos e estabelecer novas redes sociais, ao participar de atividades em grupo, sejam elas esportivas, culturais ou qualquer outra com a qual a pessoa se identifique.
Laura faz parte, desde 2003, do programa Orientação Intercultural, entidade ligada à Faculdade de Psicologia da USP, que desenvolve um programa de apoio psicológico a pessoas que moraram fora do Brasil e regressaram. Os participantes do programa, gratuito, têm a oportunidade de conhecer gente que também viveu fora do Brasil e compartilhar suas experiências, tornando possível dar um novo significado a essas vivências.
Dificuldades maiores
Para os filhos de brasileiros retornados, a volta pode ser ainda mais complicada. Muitos estudaram em escolas japonesas e jamais estiveram no Brasil, tornando o aprendizado na escola e a integração social um problema.
A psicóloga Kyoko Nakagawa, coordenadora do projeto Kaeru, conduzido pelo Isec com o apoio da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que auxilia na adaptação escolar de filhos de ex-dekasseguis, fala sobre o problema.
“Ultimamente, tem chegado crianças que estavam em escolas públicas japonesas. Eles não sabem quase nada de português. Os pais acham que, se conseguem se comunicar em casa, sabem português o suficiente para acompanhar as aulas, o que não é verdade. A aprendizagem é um processo ativo, não acontece por osmose. Achar que o simples fato de estar na escola faz com que ela aprenda é pura fantasia. Os pais devem ficar atentos, ver se a criança não está ansiosa demais, se ela está se relacionando. Eles devem acompanhar nas tarefas, estimular a leitura e não esperar que a criança supere as dificuldades de adaptação sozinha”, diz.
Onde procurar ajuda
E-mail de contato do Projeto Kaeru: projetokaeru@isec.org.br
E-mail de contato da Orientação Intercultural: psimigra@usp.br
(deixe mensagem com nome e telefone de contato)
Passos para a adaptação
• Questione-se - Para quem tem dificuldades de se acostumar com o dia-a-dia no Brasil - o trânsito caótico, a sujeira na rua, o jeitinho brasileiro para tudo -, é necessário ter consciência de que não existe lugar perfeito. Comparar é natural. Você, provavelmente, gostaria de estar em um país que fosse uma mistura de Brasil e Japão, mas ele não existe. Ao retornar, você deixou para trás muitas coisas, mas o Brasil também tem seus pontos positivos. Pergunte a si mesmo sobre os motivos do seu retorno.
• Integre-se – Procure o apoio da família e de amigos. Talvez você perceba que velhos conhecidos não estão mais na mesma sintonia que você, mas isso é natural. Conheça novas pessoas, que tenham interesses semelhantes, ao participar de atividades esportivas e culturais. É o contato humano que lhe fará sentir-se adaptado.
• Converse – Se for possível, compartilhe suas experiências com pessoas que tiveram vivências semelhantes à sua, pois elas falarão a mesma “língua” que você. Mesmo com boas intenções, pessoas que nunca moraram fora podem não entender completamente suas dificuldades.
• Procure ajuda - A maioria das pessoas acaba se acostumando com o Brasil e com a realidade do País com o passar do tempo, de forma natural. A própria ideia de retornar ao Japão torna-se estranha. No entanto, se as dificuldades de adaptação passam a interferir em seu dia-a-dia, procure apoio psicológico. O grupo Orientação Intercultural pode ser um bom caminho.
• Utilize a experiência a seu favor – Quem viveu no Japão tem uma visão privilegiada de mundo, pois entrou em contato com uma cultura diferente, aprendeu formas diferentes de trabalhar. Não negue sua vivência. Use o que você aprendeu de bom no Japão a seu favor. Defenda os valores com os quais você se identificou lá fora.
• Ajude seus filhos na readaptação – Para que a criança tenha um desenvolvimento saudável, os pais não podem esperar que elas superem suas dificuldades sozinhas. Na escola, alguns filhos de dekasseguis são vistos como desinteressados, quando simplesmente não conseguem acompanhar as aulas. Participe da vida escolar de seu filho e ofereça apoio emocional.
Por: Rosana Kamiya
Os pais têm cabelos brancos. Amigos estão casados, alguns conquistaram uma vida de sucesso e responsabilidades. Os relacionamentos se reconfiguraram. Ele mesmo mudou, ao incorporar valores da sociedade japonesa, e a sensação de não pertencer ao próprio lar bate forte. O problema é ainda maior para os filhos dele que, habituados com o Japão, passam a ter dificuldades de relacionamento e educação. Nesse momento, é necessário todo o apoio emocional possível, pois a readaptação cultural pode ser um caminho longo.
“É perfeitamente normal a pessoa que regressa sentir esse estranhamento. Portanto, não deve achar que só acontece com ela”, explica a psicóloga Laura Ueno, que viveu por um ano no Japão, de 1998 a 1999, logo depois de terminar a faculdade. “As pessoas absorvem a volta de formas e em ritmos diferentes. Alguém que veio ao Brasil em razão da crise provavelmente foi pega desprevinida, sem planejamento. Ainda assim, não é possível falar que todas terão dificuldades de adaptação. Vai depender muito do suporte de relacionamentos e da estrutura de apoio que o ex-dekassegui tiver”, diz.
O acolhimento pelo meio social, a começar pela família, é um elemento chave para que o ex-dekassegui comece a se sentir parte da vida no Brasil. É, também, um fator importante para que ele mantenha a auto-confiança para, por exemplo, conseguir um emprego no País. Por isso, segundo a psicóloga, são muito bem-vindas iniciativas como procurar amigos antigos e estabelecer novas redes sociais, ao participar de atividades em grupo, sejam elas esportivas, culturais ou qualquer outra com a qual a pessoa se identifique.
Laura faz parte, desde 2003, do programa Orientação Intercultural, entidade ligada à Faculdade de Psicologia da USP, que desenvolve um programa de apoio psicológico a pessoas que moraram fora do Brasil e regressaram. Os participantes do programa, gratuito, têm a oportunidade de conhecer gente que também viveu fora do Brasil e compartilhar suas experiências, tornando possível dar um novo significado a essas vivências.
Dificuldades maiores
Para os filhos de brasileiros retornados, a volta pode ser ainda mais complicada. Muitos estudaram em escolas japonesas e jamais estiveram no Brasil, tornando o aprendizado na escola e a integração social um problema.
A psicóloga Kyoko Nakagawa, coordenadora do projeto Kaeru, conduzido pelo Isec com o apoio da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, que auxilia na adaptação escolar de filhos de ex-dekasseguis, fala sobre o problema.
“Ultimamente, tem chegado crianças que estavam em escolas públicas japonesas. Eles não sabem quase nada de português. Os pais acham que, se conseguem se comunicar em casa, sabem português o suficiente para acompanhar as aulas, o que não é verdade. A aprendizagem é um processo ativo, não acontece por osmose. Achar que o simples fato de estar na escola faz com que ela aprenda é pura fantasia. Os pais devem ficar atentos, ver se a criança não está ansiosa demais, se ela está se relacionando. Eles devem acompanhar nas tarefas, estimular a leitura e não esperar que a criança supere as dificuldades de adaptação sozinha”, diz.
Onde procurar ajuda
E-mail de contato do Projeto Kaeru: projetokaeru@isec.org.br
E-mail de contato da Orientação Intercultural: psimigra@usp.br
(deixe mensagem com nome e telefone de contato)
Passos para a adaptação
• Questione-se - Para quem tem dificuldades de se acostumar com o dia-a-dia no Brasil - o trânsito caótico, a sujeira na rua, o jeitinho brasileiro para tudo -, é necessário ter consciência de que não existe lugar perfeito. Comparar é natural. Você, provavelmente, gostaria de estar em um país que fosse uma mistura de Brasil e Japão, mas ele não existe. Ao retornar, você deixou para trás muitas coisas, mas o Brasil também tem seus pontos positivos. Pergunte a si mesmo sobre os motivos do seu retorno.
• Integre-se – Procure o apoio da família e de amigos. Talvez você perceba que velhos conhecidos não estão mais na mesma sintonia que você, mas isso é natural. Conheça novas pessoas, que tenham interesses semelhantes, ao participar de atividades esportivas e culturais. É o contato humano que lhe fará sentir-se adaptado.
• Converse – Se for possível, compartilhe suas experiências com pessoas que tiveram vivências semelhantes à sua, pois elas falarão a mesma “língua” que você. Mesmo com boas intenções, pessoas que nunca moraram fora podem não entender completamente suas dificuldades.
• Procure ajuda - A maioria das pessoas acaba se acostumando com o Brasil e com a realidade do País com o passar do tempo, de forma natural. A própria ideia de retornar ao Japão torna-se estranha. No entanto, se as dificuldades de adaptação passam a interferir em seu dia-a-dia, procure apoio psicológico. O grupo Orientação Intercultural pode ser um bom caminho.
• Utilize a experiência a seu favor – Quem viveu no Japão tem uma visão privilegiada de mundo, pois entrou em contato com uma cultura diferente, aprendeu formas diferentes de trabalhar. Não negue sua vivência. Use o que você aprendeu de bom no Japão a seu favor. Defenda os valores com os quais você se identificou lá fora.
• Ajude seus filhos na readaptação – Para que a criança tenha um desenvolvimento saudável, os pais não podem esperar que elas superem suas dificuldades sozinhas. Na escola, alguns filhos de dekasseguis são vistos como desinteressados, quando simplesmente não conseguem acompanhar as aulas. Participe da vida escolar de seu filho e ofereça apoio emocional.
Por: Rosana Kamiya