Soldadores brasileiros que trabalhavam no Japão retornam ao Brasil, já empregados, atraídos pela ascensão na carreira trabalhando aqui no Brasil.
Grupo de decasséguis começam a fazer parte da rotina do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), no complexo industrial de Suape, município de Ipojuca, com a contratação no mês passado de 82 decasséguis brasileiros – a maioria de ascendência japonesa e do Sul do País – que haviam migrado para o Japão em busca de oportunidades.
Experientes soldadores, eles retornam ao Brasil via Pernambuco, o que ainda provoca estranhamento por se tratar de um Estado sem tradição na indústria naval. “Nunca poderia imaginar isso”, comemora Mário Azevedo, 40 anos, pernambucano casado com uma filha de japoneses, que depois de nove anos no Japão teve a chance de retornar ao Recife, onde nasceu. “A saudade era muita”.
Além da volta às origens, os “japoneses” querem ascender na carreira, o que não lhes era permitido no Japão, aonde, além de estrangeiros, chegaram, em muitos dos casos, sem ter noção da língua japonesa. Por melhor que executassem seu trabalho, não eram enquadrados nos planos de cargos e salários das empresas. Além da experiência, trazem na bagagem valores como disciplina, humildade e ética, muita disposição para o trabalho e competitividade.
Flávio Date, 40 anos, 19 deles no Japão, foi reconhecido pelos colegas como “shokunin”, expressão que identifica quem consegue executar um serviço manual com perfeição. Entra no EAS como líder de grupo de solda, função de liderança que nunca conseguiria no estaleiro NKK, onde trabalhou nos últimos cinco anos. Por enquanto, como todos, está em processo de adaptação ao método e equipamento do EAS. Natural de Assaí, no Paraná, viveu em São José dos Campos desde criança, com os pais, e decidiu ir para o Japão depois que o Plano Collor confiscou suas economias.
Claudio Yushio Sato, 48 anos, natural de Marília (SP) e há 18 no Japão, é soldador há 14 anos. Sua experiência é com túneis, pontes e trens-bala – com grau de complexidade muito maior que a solda de navios. Simples, ele ensina o que aprendeu da cultura japonesa: “É mais importante a ética do que a técnica”. A ética é valor primordial, a técnica pode ser aprendida.
Manoela Barão, 30 anos, chegou ao Japão há seis anos. Curitibana, morou em Bragança Paulista (SP) desde pequena com a família. Enfrentou muito preconceito quando se dispôs a entrar no ramo da solda no Japão – mais bem remunerado. E conseguiu ser a primeira mulher no país a ser habilitada em solda em todas as categorias pela associação japonesa de soldadores (JIS/JEWS). Trabalhou em estaleiros em Ehime, Hiroshima e Okayama. “Sempre tive de me impor”, resume. Começa sua carreira no Atlântico Sul como líder de grupo de solda, cargo que, acredita, nunca conseguiria no Japão.
Neto de japoneses – como ela – o, marido, Paulo Bernardes, 27 anos, também soldador, é outro dos 82 contratados do EAS. Eles se conheceram no Japão. Estavam satisfeitos e não pensavam em voltar. Manoela mudou de idéia depois da morte do pai, ano passado. O marido, que a ajudou a aperfeiçoar os conhecimentos da solda, apoiou a iniciativa.
Márcia Mitiko Calisto, 28 anos, é de Suzano (SP) e há nove anos foi para o Japão, já casada com Carlos Antonio Calisto, 36. Durante cinco anos trabalharam como soldadores no estaleiro Imazo, em Ehime, mas sempre desejaram voltar. “Faremos tudo para crescer dentro da empresa e com a empresa”, diz Márcia.
Falta de mão de obra acelerou contratações
“Precisamos de 200 soldadores prontos. Busquem.” A ordem, segundo o diretor-administrativo e de Recursos Humanos, Gérson Peluci, foi dada pelo presidente do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), Angelo Bellelis, no fim de novembro do ano passado, diante do curto prazo para atender às encomendas da Transpetro e do casco da Platafomra P-55 da Petrobrás.
Sem mão de obra qualificada, o estaleiro se encarregou de formar, em seu Centro de Treinamento (CT) soldadores, montadores, eletricistas, pintores, encanadores navais e caldeireiros. Não foi suficiente. Era preciso gente experimentada, com urgência.
O primeiro dos 22 navios petroleiros contratados pela Transpetro (subsidiária da Petrobrás) dentro do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) – um Suezmax com capacidade para transportar 1 milhão de barris – deve ser lançado ao mar no fim deste mês. No total, serão 10 navios Suezmax e 5 Aframax, na primeira etapa do Promef, e sete aliviadores – quatro Suezmax DP e três Aframax DP – na segunda etapa.
A idéia de recrutar mão de obra brasileira no Japão surgiu tão rápida quanto a sua execução. No dia 13 de dezembro, a coordenadora de Recursos Humanos, Márcia Marques, desembarcava na cidade de Toyohashi, um dos maiores pólos navais do Japão. Foi constatado que muitos brasileiros – com ou não ascendência japonesa – que migraram para aquele país estavam voltando, sobretudo por causa da crise econômica internacional.
A intenção do estaleiro já havia sido divulgada pela internet e durante dez dias ela entrevistou, ouviu, propôs, fez apresentação da empresa adicionada de informações sobre Pernambuco. Márcia volta ao Japão em abril. O objetivo é contratar, neste primeiro momento, 200 soldadores.
“No futuro, vamos ser lembrados como o princípio da colônia japonesa na região metropolitana do Recife”, acredita Gérson Peluci, convicto de que a ação irá produzir bons frutos, aliando a disciplina e produtividade dos estaleiros japoneses à criatividade brasileira.
O estaleiro representa hoje um investimento de R$ 1,6 bilhão. Emprega 3,7 mil funcionários, número que pode chegar até 4,5 mil no final do ano.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo